O mês de maio é marcado pela Luta Antimanicomial, já que o dia 18 é o dia nacional da mobilização, uma data em alusão à reforma psiquiátrica, que busca combater a exclusão das pessoas que têm sofrimento psíquico grave. Isso para que possa haver um direito de tratamento e liberdade a essas pessoas, com redirecionamento delas segundo o direito de viver em sociedade, além do direito de receber esse cuidado e tratamento corretamente. Hoje, esse cuidado, é feito através das redes de atenção à saúde mental, conhecida como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

Cambé conta com o CAPS adulto e o CAPS infantil, sendo referência para atendimento com serviço de saúde mental aberto à comunidade. Em ambos os espaços, durante todo o mês de maio, estão sendo feitas ações de conscientização e reflexão em torno da luta que marca a extinção dos manicômios, com atividades, exposições e decoração diferente. Conversamos com as diretoras do CAPS infantil, Janaina Bordini, e do CAPS adulto, Daniela Zamberlan, para entender a importância da data e da luta antimanicomial.

O 18 de maio e a luta antimanicomial

Essa é uma luta que vem desde a década de 1960, quando alguns médicos, e a sociedade em geral, passaram a ver a forma como a população que sofria de algum transtorno psiquiátrico e sofrimento mental era tratada em instituições como manicômios. Nos espaços, eram registrados isolamento, práticas desumanas, má condições sanitárias e de saúde, pouca dignidade e até tortura. Além disso, em muitos casos, muitas pessoas que eram internadas nem tinham diagnóstico de transtorno, só eram vistas como diferentes e separadas do convívio diário.

“Como morriam muitas pessoas, o índice de denúncias só aumentava e com isso movimentos sociais e de saúde iniciaram efetivamente essa luta psiquiátrica, buscando uma alternativa de tratamento digno para a população em geral, com reinserção social, respeito, dignidade, entendendo a particularidade de cada um, e entendendo que cada um de nós pode passar por algum tipo de sofrimento emocional. Não queremos que nem nós ou algum conhecido nosso passe pelo o que aqueles pacientes passavam”, disse a diretora do CAPS infantil de Cambé, Janaina Bordini.

A partir da década de 1980, com a Conferência Nacional em Saúde Mental, em Brasília, foi instituído o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, e intensificado os movimentos de reforma sanitária. Em 2001, foi formulada a Lei 10216, que constitui os CAPS, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental como outra forma de atenção a não ser a hospitalar, além de garantir proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.

“Hoje, existe uma nova forma de tratamento, medicamentos, equipe com psicólogos, médicos, enfermeiros, técnico de enfermagem, terapeuta ocupacional, assistente social, educador físico. Tem muitos profissionais olhando para esse paciente, que é único e singular. Cada um, no seu sofrimento mental, tem algo para a gente explorar, entender o que está acontecendo e melhorar isso. Ainda há a necessidade do hospital psiquiátrico, porque tem pacientes que precisam de internação para sair de uma crise. Mas se conseguir manter o tratamento a nível ambulatorial e de CAPS, esse sempre vai ser o melhor cuidado”, relatou a diretora do CAPS adulto, Daniela Zamberlan.

A atuação do CAPS

O CAPS atende pessoas com transtornos psiquiátricos graves e persistentes, através de uma equipe de saúde mental. Tanto crianças e adolescentes, como adultos e idosos que possuem sintomas de sofrimento emocional e que trazem prejuízo na vida, ou seja, não conseguem realizar as atividades cotidianas.

CAPS Infantil

O CAPS Infantil recebe pacientes até 18 anos, onde o responsável por eles abre prontuário, e as crianças e adolescente passam por avaliação de caso, o chamado grupo de acolhida, com encontros de orientação com responsáveis e atendimento individualizado com o enfermo. Após isso, é feita uma reunião para definição do projeto terapêutico, em serviço que conta com equipe de psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, educadores físicos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, tudo gratuito.

Janaína relatou que no CAPS infantil, a equipe trabalha através do lúdico, por meio de brincadeiras, jogos, desenhos, filmes, teatro, por exemplo, para tentar acessar os sentimentos de crianças e adolescentes que chegam com quadro grave, de uma forma que gostem. Além disso, para a reinserção social, eles são levados para o cinema, Exposição, e são ajudados a arrumar emprego quando alcançam idade para isso.

“Nossa linha é compreender como eles são, porque às vezes só com a conversa a gente não entende o que está acontecendo. Então, tentamos acessar o mundo deles para que eles consigam acessar o que estão sentindo e trazer para a gente. Por se tratar de criança e adolescente, também atuamos sempre com os responsáveis, conversamos com os pais, fazemos orientação, porque o ambiente familiar e as relações em casa influenciam muito no comportamento, no emocional deles. Além do trabalho em conjunto com as escolas, uma atuação bem aberta com a rede do município”, expressou.

Em mais de 10 anos de atuação do CAPS infantil, mais de 8.000 prontuários foram abertos. Hoje, são pouco mais de 350 pacientes ativos, com cerca de 1.100 atendimentos por mês.

CAPS Adulto

Já o CAPS adulto recebe casos graves de doenças e transtornos mentais graves. O paciente passa por triagem para que se identifique a gravidade, e se for caso para atuação do Centro, são feitas entrevistas com psicólogo, assistente social, e só então a equipe determina a forma de atuação.

A diretora disse que o CAPS é porta aberta, e qualquer um que chegar no balcão dizendo precisar de ajuda, terá prontuário aberto e será feita triagem. Se for caso leve, será direcionado para a UBS. E se for casos moderados, para a Policlínica. Além disso, mesmo alguns casos graves não entram direto no CAPS, passando pela UPA antes para o cuidado de um médico.

“A partir da abertura do prontuário vai depender de como o paciente chega para a gente, porque individualizamos o tratamento, respeitando a particularidade de cada um, seja com grupo terapêutico, oficina terapêutica, medicamento e várias outras formas de atuação”, explicou Daniela.

Ela também explicou que buscam definir o tipo de sofrimento, idade e história de vida, e os grupos terapêuticos são separados a partir de casos semelhantes. Já as oficinas são abertas para diferentes casos, e incluem artesanato, jogos, esportes, artes, teatro, dança, música e outras. “Isso porque tem paciente que só se expressa na arte, no teatro por exemplo. Em grupo ele pode não falar nada, mas dependendo da área ele se expressa. É psiquiátrico, mas a atenção dele não pode ser só médica”, relatou.

Em abril, o CAPS adulto registrou 1.113 ações para cerca de 400 pacientes.

As atividades especiais do Maio Antimanicomial

Os CAPS também promoveram uma programação especial em alusão ao 18 de maio. No CAPS adulto foi feita uma tarde com bingo e lembranças confeccionadas pelos próprios participantes, além de karaokê, comida, dança e música.

“Mas tanto nessa atividade, como em todas as oficinas em maio, a gente conversa com eles sobre o dia 18, a importância do tratamento, dos CAPS, de manter a regularidade das consultas, não parar com o medicamento. A conscientização e luta é diária e acontece o ano todo”, afirmou Zamberlan.

Já o CAPS infantil promoveu uma exposição no próprio espaço, para que as crianças e adolescentes tivessem acesso ao próprio trabalho. “Esse ano a gente buscou expor os trabalhos deles para eles mesmo, através de uma exposição para o público do CAPS. Alguns trouxeram desenhos, coisas que fazem em casa, atividades feitas aqui, qualquer tipo de arte como desenho, música, pintura, porque a arte é uma forma de se expressar. A gente fez um painel, um vídeo, e trabalhamos nos grupos através de vídeos, documentários, textos, reflexão da importância da data de 18 de maio, de como era no passado, como é hoje e a importância da saúde na vida das pessoas”, reiterou a diretora do Centro.

Os desafios ainda enfrentados pelo CAPS

Mesmo com tantos avanços conquistados pela reforma psiquiátrica, através da luta antimanicomial, muitos desafios ainda são observados por quem está inserido na área, como o preconceito e a falta de conhecimento.

O preconceito ainda é muito grande. Por isso o dia 18 de maio, e o mês como um todo é extremamente importante para que as pessoas entendam a luta, entendam o que o povo já sofreu nas instituições do passado. Essas ações que a gente faz, não só em maio, é uma forma da gente lutar contra tudo isso. Afinal, uma depressão é um transtorno mental, uma ansiedade é um transtorno mental, e quem hoje em dia não tem predisposição a ter isso, ou conhece algum familiar. Como vou ter preconceito com alguma coisa que bate na minha porta? São ações importantes para as pessoas conhecerem um pouquinho, porque o preconceito acontece principalmente pela falta de informação”, elucidou Bordini.

Já a diretora do CAPS adulto também tem visão parecida, e destacou o conhecimento como principal fonte para o fim do preconceito. ”Muitas vezes a família não possui estrutura para ter um parente com transtorno mental, ou a sociedade não entende o que é essa condição. O investimento em políticas públicas geral, o acesso à informação, o entendimento do 18 de maio, tudo isso ajuda na estruturação de todas as áreas”, concluiu Daniela.

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